Maternidade lésbica: os métodos, escolhas, custos e burocracia para ser mãe

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Maternidade lésbica: os métodos, escolhas, custos e burocracia para ser mãe


Era um domingo de piquenique em família no parque. Lara, então com quase 1 ano, engatinhou em direção ao cachorro da família ao lado. “Que olhos lindos ela tem! É sua filha?”, perguntou o dono do animal para Luciane, que assentiu com a cabeça. “Não que os seus olhos castanhos não sejam bonitos, mas que sorte ela ter herdado os genes do pai, né?”. Já se preparando para a reação do desconhecido, Luciane respirou fundo e respondeu: “São os genes da outra mãe dela, que também tem olhos claros”, apontando para Thayla, que observava a cena sentada a poucos metros dali. Um rápido levantar de sobrancelhas e um franzir de testa, acompanhados daquela coçadinha básica na cabeça, indicaram uma pane no sistema daquele homem. “Ué, mas quem é a mãe dela afinal?

Mãe 

- Mulher que tem ou teve filho ou filhos. 
- Animal fêmea que tem filho ou filhos. 
- Borra do vinho que ainda não foi posto em limpo. 
- Mulher carinhosa. 
- Protetora. 
- Origem, causa, fonte. 
- Ser fantástico, espécie de sereia de água doce, também chamado uiara e iara. - Pessoa que chora facilmente. 

(Dicionário Aurélio Buarque de Hollanda)

A palavra “mãe” tem praticamente a mesma raiz linguística em todos os idiomas do mundo e é pronunciada nos cinco continentes, com pequenas variações, há pelo menos 15 mil anos, segundo Mark Pagel, professor de Biologia Evolutiva da Universidade de Reading, na Inglaterra. Em sua publicação Mother Tongue Hypothesis  (Hipótese da Língua Mãe, em tradução livre), o pesquisador defende que a palavra “mãe” faz parte de um conjunto de 23 vocábulos que sobreviveram à Era do Gelo, quando o planeta era um só continente e possivelmente a humanidade falava um só idioma.

Mas o que faz da palavra “mãe” tão universal e ancestral? Teria essa junção de sons alguma relação direta com a natureza humana?

Uma das explicações, batizada de Teoria da Vinculação, parte do movimento aprendido pelos bebês para sugar o leite do seio e dos barulhos que eles começam a emitir quando estão distantes do peito. A tal sílaba “ma” é utilizada para que a criança sinalize a vontade de se alimentar, replicando uma, duas, quantas vezes forem necessárias até ter a fome saciada.

Mas será que essa palavra, mais antiga que as pirâmides do Egito e tão perene quanto à própria humanidade, não foi inventada para ser usada em dupla? Será que mãe precisa ser só uma mesmo?

Apesar de ter um útero em plena condição para gerar um bebê, a natureza não me trouxe a possibilidade de fazer isso em conjunto com a mulher que eu amo, com quem escolhi dividir as belezas e os percalços da vida.

Como o nosso, há muitos outros casos de mulheres não conformadas com as limitações da “mãe natureza”. No Brasil, há pelo menos 32 mil famílias homoafetivas formadas por duas mães (53,8% do total), segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


Após decidirem pela maternidade, mulheres lésbicas podem passar dias, meses, em busca de informações sobre métodos de reprodução assistida, adoção, acordo com um doador amigo, coparentalidade e tantas outras saídas e combinações. Dá para fazer pelo SUS? Quanto custa todo o procedimento em uma clínica privada? Pode mesmo dar certo se eu fizer em casa? Como fica o registro da criança? Qual o caminho para adotar?

O objetivo desta reportagem é detalhar os métodos e caminhos possíveis e mais utilizados para uma concepção que não vem no pacote da mãe natureza. 

Nossa Chance

Era uma sexta-feira chuvosa. Thayla Rodrigues tratava de ajeitar seu sutiã respingado de leite para conversar comigo enquanto a pequena Lara se debatia em seu colo, lutando contra o sono.

“Às vezes é dureza, viu? Eu sempre achei que dormir fosse algo natural, que a gente nasce sabendo. Mas ela ainda não aprendeu e acho que a Lu e eu já até desaprendemos.”

Luciane Prada é sua companheira. Se casaram em agosto de 2016 no terreiro de umbanda onde as duas trabalham, quando Lara ainda estava na barriga de Thayla. Ela sempre quis ser mãe e, ainda durante o namoro, soube que Lu não tinha vontade de engravidar, apesar de já ter pensado em adoção.

Foi então que Thayla, aconselhada por uma amiga cujo pai é médico especialista em reprodução humana, propôs que elas marcassem uma consulta. “A gente foi lá só pra entender como funcionavam os métodos e se algum serviria para a gente. Quando soubemos que não precisávamos ter quase 50 mil reais, como eu imaginava, já saí da clínica pra fazer os exames”, conta, apanhando um brinquedo do chão.

Seus 26 anos e os excelentes resultados das funções hormonais e condições anatômicas foram determinantes para que o método indicado fosse a inseminação intrauterina (conhecida pela sigla IIU) e, no caso Thayla, com baixa dosagem hormonal. Foram 12 dias de injeções de hormônio folículo estimulante (FSH) para produzir um ou dois folículos a mais, além do que é naturalmente produzido em cada ciclo.


“Controlando com o ultrassom endovaginal, em torno de 9 a 11 dias os folículos estão maduros. Então, aplica-se uma dose de HCG (hormônio gonadotrófico coriônico) para ‘deflagrar’ a ovulação no intervalo de 24 a 36 horas. Depois disso, são injetados os espermatozoides previamente selecionados, diretamente na cavidade uterina”, explica Mario Peçanha, especialista em reprodução assistida e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana. “Daí em diante, contamos com o encontro e fertilização de pelo menos um dos óvulos produzidos.”

Após 14 dias da inseminação, o exame de gravidez trouxe a grande notícia: Thayla não estava grávida! “A sensação foi como se eu tivesse perdido um filho! Eu tinha vários sintomas de gravidez, como gosto de ferro nos alimentos e seios inchados. Acho que minha expectativa me fez engravidar psicologicamente, desabafa, mudando a pequena ao outro peito.

Mas elas não desistiram. Logo em seguida, após o intervalo de um ciclo, reiniciaram o tratamento, desta vez, com a dosagem completa de hormônios. “E, de novo, depois daqueles 14 dias que pareceram eternos e com as unhas todas roídas, fiz o exame. Deu positivo! Foi a maior felicidade das nossas vidas.”

A gravidez de Thayla entrou na estatística que aponta como bem-sucedidas 35% das inseminações intrauterinas em mulheres com menos de 35 anos. Após essa idade, a porcentagem diminui devido ao comprometimento da reserva ovariana, ou seja, do número de células reprodutoras com as quais a mulher já nasce e que não são repostas ao longo da vida.

Por volta dos 50 anos, essas células se encontram em esgotamento. Porém, como mostra a pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2015, do IBGE, vem crescendo significativamente o número de mães de primeira viagem com idades entre 30 e 39 anos: de cerca de 20%, em 2005, para os 30%, em 2015. Um dos fatores é o avanço das técnicas de reprodução humana, entre elas, a Fertilização In Vitro (FIV).

ABC da reprodução assistida

A FIV é uma técnica de alta complexidade, em que a mulher é estimulada a produzir óvulos que serão aspirados e fecundados pelos espermatozoides, dando origem aos embriões. Somente depois, esses embriões são transferidos para o útero. Ou seja, a fecundação ocorre fora do organismo.

“É um método indicado não apenas a mulheres acima dos 35 anos, como também para as que fizeram laqueadura ou tiveram endometriose, síndrome dos ovários policísticos, falência ovariana ou algum comprometimento anatômico causado por sequelas de operações pélvicas”, esclarece Mario Peçanha.

Para mulheres que optam pela FIV, com um embrião já formado, o desafio deixa de ser o sucesso na fecundação e passa a ser apenas a manutenção daquela célula embrionária no útero. Por isso, a porcentagem de sucesso desse método é consideravelmente maior.

De acordo com Mario Cavagna, diretor do Centro de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington, mulheres mais jovens têm maior taxa de sucesso com a FIV. “As chances podem superar os 60%, enquanto para mulheres acima de 38-40 anos as taxas caem para cerca de 10-15%, chegando a zero após os 44 anos. Para essas mulheres, a indicação é a recepção de óvulos de mulheres mais jovens”, detalha.

Sônia* entrou para as estatísticas das chances nulas. Com 42 anos, conheceu Raquel* e, de cara, soube que queria seguir olhando para aquele par de grandes olhos negros e curiosos, dia após dia. Após dois anos vivendo juntas, decidiram que era hora de pendurar fraldas junto às calcinhas no varal. Os exames de Sônia comprovavam as estatísticas. Raquel, então com 33 anos, tinha perfeitas condições físicas para engravidar, mas era Sônia quem sonhava em ver crescer o barrigão.

A solução foi a chamada Recepção dos Óvulos da Parceira, ou Ropa. Raquel foi submetida ao tratamento hormonal para a obtenção e aspiração dos óvulos. Os embriões obtidos por FIV foram, então, transferidos para o útero de Sônia e trouxeram o pequeno Vitor para rechear a casa de mais amor.

O preparo do útero que recebe o embrião é simples, conforme esclarece Rui Ferriani, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e da Comissão de Fertilidade Assistida da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “É feito com estrogênio e progesterona, que deixam o útero receptivo ao embrião. E não há restrições de tipos sanguíneos ou cuidados específicos com uma possível rejeição.”

Um dos motivos do sucesso do procedimento e da consequente gravidez de Sônia foi a boa quantidade de óvulos disponíveis no corpo de Raquel para a fecundação, a tal reserva ovariana. Se ela tivesse oito anos a mais, por exemplo, ou se não tivesse tido sucesso com a FIV, talvez teria sido necessário apelar para um outro tipo de fertilização, a injeção intracitoplasmática de espermatozoides. Diferentemente da FIV convencional, em que os óvulos aspirados são colocados em um meio de cultura junto com os espermatozoides e a seleção natural faz o seu trabalho, na injeção, apenas um espermatozoide é injetado dentro de um óvulo.

Infelizmente nem todos os casais têm a “sorte” dos que ilustraram esta reportagem até aqui. A grande alegria trazida por aquele “positivo” pode também se transformar em uma enorme tristeza para mulheres que, após engravidarem com algum método de reprodução assistida, sofrem um aborto.

Um caminho possível para aquelas que desejam seguir na busca de explicações para a perda gestacional é o diagnóstico genético pré-implantacional. Uma análise genética feita nos embriões (antes da sua implantação no útero) permite a constatação de eventuais alterações cromossômicas capazes de impedir a fixação no útero. Com essa técnica, especialistas têm a condição de selecionar apenas embriões livres dessas possíveis alterações, aumentando, assim, as chances de sucesso na gravidez. “Sugerimos esse procedimento apenas em casos realmente necessários, como quando há um histórico de abortamentos. É um procedimento de alta complexidade e custo”, ressalva Peçanha.

Créditos: Universa UOL

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